quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Pressão

Este post poderia tratar do método de cocção à pressão, já que aqui basicamente falamos de comida, certo? Errado. Ao contrário de nós, brasileiros, os europeus não têm o hábito de usar panelas de pressão em casa (e até mesmo no trabalho). Acho que eles não são muito fãs de feijão, como nós, e adoram gastar 3 horas e meia dúzia de euros cozinhando uma carne dura no forno.

Pressão é uma coisa corrente em cozinha, não somente como método de cozimento. Hoje foi um dia em que relembrei isso, pois aconteceu na minha frente.

Uma das minhas colegas de sala perdeu o rumo após uma sequência de erros. Teve que sair da sala pra tomar um ar puro, pois aquele ar da cozinha estava denso demais pra aliviar a pressão que se formou sobre ela.

Isso hoje me lembrou dos meus tempos de commis chef, ainda na Irlanda, quando eu não sabia quase nada e tinha que me virar em 10 pra fazer minha sessão, o entremets, funcionar. Não foram poucas as vezes que tudo dava errado: uma batata cozida demais, um purê que saía com a consistência errada, um gratin que passava do ponto, de corado pra queimado.

Ela, minha colega de classe, sucumbiu e saiu da sala aos prantos. Eu já quase cheguei nesse ponto várias vezes, afinal não é apenas a frustração de fazer algo errado sabendo que você pode fazer melhor que isso, mas tudo contribui nessa hora: é o chef gritando na sua orelha o quão inútil você é por ter errado; é a proximidade da hora de servir o que você está fazendo e, principalmente, o quanto um erro besta vai atrasar todo o seu fluxo de trabalho. E volume de trabalho é uma constante em cozinha.

Tem gente que diz que cozinha é só para os fortes. Eu concordo e acrescento que, depois de 4 anos como profissional das panelas, a força só vem quando o profissional é aberto ao aprendizado e tem iniciativa. Gastronomia é um exercício diário no qual você descobre coisas novas a cada momento. E acertar é muito bom, mas você só aprende de fato quando erra. 

Quando se erra, pensa-se sem tudo: esconder do chef, jogar no lixo antes que alguém veja, torcer pra ninguém ter visto o que você fez. Mas admitir o erro e recomeçar, ou consertar algo se ainda houver tempo, é a melhor forma de aprendizado. Com isso, adquire-se confiança, conhecimento sobre como proceder numa situação de pressão e o melhor de tudo: calma suficiente pra lidar com o problema. Afinal, manter a calma sob pressão é essencial nesta área.

Aprender a se organizar, pensar rápido e reagir mais rápido ainda são, talvez, 80% do trabalho do chef profissional. O talento e criatividade são importantes também, mas para chegar num nível desses, é preciso provar-se competente em todos os outros quesitos.

Foi cortando os dedos, queimando os braços e levando porradas dos meus chefs que aprendi tudo o que sei hoje e é por isso que me sinto seguro para buscar soluções em situações que fariam qualquer outra pessoa, a exemplo da minha colega de sala, sucumbir à pressão.

Muita calma nessa hora cabe direitinho aqui.

2 comentários:

  1. Dada a minha negativa habilidade no quesito cozinha, o meu choro ja teria feito um novo rio Sena !

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  2. Tadinha da sua amiga, filho!!!! Diga pra ela nunca desistir. Ela ainda vai rir desse momento!

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