Art by Paola Sanchez |
Imagine um dia você chegando para a sua família e dizendo: "Pai, mãe...eu vou largar tudo para virar chef de cozinha". Nas entrelinhas, eu disse que todo o estudo que vocês me ajudaram a obter na universidade, todo o tempo separado fisicamente de vocês, todo o dinheiro investido na carreira que eu imaginei ser minha função social sendo gradativamente jogado pelo ralo, na mesma velocidade em que meus progenitores engolem à seco aquele nó na garganta ao receber as notícias.
Fiz isso, há mais ou menos 5 anos e meio. Nessa época eu era repórter de rede nacional em um canal de tv fechado, e trabalhava para a maldita rede Globo, sonho de 11 entre 10 jornalistas no Brasil.
"Como assim, filho?", perguntaram-se. "Você, que tanto batalhou pra chegar na posição que chegou, vai deixar de lado essa fundação que construiu para aventurar-se em um negócio do qual não conhece nada?".
"Sim.", respondi. E não por ser volátil ou não ter certeza de que rumo quero para a minha vida. Muito pelo contrário. Foi uma decisão que tomei depois de já estar cansado de viver dentro de uma caverna, da qual provavelmente não conseguiria sair antes de morto.
E a caverna, leitores, não é uma critica ao meu trabalho, ou profissão ou a vida que levava na época. A escuridão estava na minha cabeça, o tempo todo. Me inquietou o fato de que eu só andava com jornalistas, só falava de jornalismo, só buscava saber mais que os outros, só buscava o furo, a informação correta (às vezes, buscando a informação que meu editor dizia que era a correta, se vocês entendem o que quero dizer com isso...).
A verdade é que dia 25/06/2007 foi um marco na minha vida.
Meu aniversário de 25 anos foi emblemático. Naquele dia, acordei com a sensação que muitas de minhas dúvidas estavam esclarecidas, meus pontos de vista tinham fundamento e, como magia, uma luz apareceu no fim da caverna. Simples assim. Acordei. Me olhei no espelho e vi uma pessoa diferente. Que pensava diferente. Que entendia o mundo de uma maneira diferente. E que, no fundo, sabia que a vida que levava até outrora dentro da escuridão da caverna não era seu caminho na vida.
Como disse minha madrinha, parafraseando alguém famoso: "Vai, Rodrigo, ser gauche na vida.". A partir desse dia, foi isso que fiz. Rodrigo, um homem destro que decidiu experimentar ser gaucher (canhoto, em francês). Que aceitou que o jornalismo é legal, mas não é o que vai lhe tirar da escuridão. Que aceitou que as coisas são como são, mas que há coisas as quais podemos mudar se quisermos.
Os dois meses que seguiram foram uma sequência frenética de acontecimentos. Pedi demissão, comprei uma passagem de ida, me despedi da minha família e tchau Brasil! Um amigo, Ronald Marczak, me disse que se eu quisesse ter alguma chance na carreira de chef, eu deveria ir pra Europa. E depois de muita pressão do meu irmão, maior responsável pela minha mudança pra Europa e a pessoa que de verdade me guiou para a luz no fim da caverna, Rodrigo desembarca na Irlanda.
Uma coisa que sempre tive muito claro, mesmo antes de minha iluminação aos 25 anos, era que se eu fosse fazer algo na vida, eu deveria faze-la muito bem para honrar a mim mesmo e às pessoas que me apoiam no meu caminho. Eu nunca estou sozinho, então eu tenho um dever para com as pessoas que acreditam nas minhas empreitadas.
Quando me formei jornalista, meu dever profissional e pessoal era com meu maior ídolo de todos: meu avô Luiz Homero, que nunca me encorajou a ser jornalista, mas sempre me disse que eu deveria me esforçar pra sobressair, assim como ele fez em sua vida. Outro ídolo é meu pai, que sempre me disse que eu tenho que ser o melhor que consigo, mesmo que isso não signifique que eu seja o melhor do mundo.
E foi isso que carreguei para minha nova profissão. Já que eu larguei uma profissão na qual estava começando a ascender para começar uma outra sem absolutamente nenhum treinamento, eu iria fazer o melhor que posso para sobressair. A caverna já não era tão escura assim, pois eu estava me aproximando da cada vez mais da saída. A experiência de vida, os lugares que conheci, as coisas que aprendi, as pessoas que passaram por minha vida representam meus passos para fora da maldita escuridão.
E nesse caminho para uma nova ascenção eu me queimei, cortei, fui abusado verbalmente, suei muito, corri muito, fiz muita força. Mas aprendi muito com meus mentores, que imagino que não sabiam na época que eram mentores. Pois eu os tratava assim.
E atingi um nível mínimo de habilidades que já me ajudaram a galgar um emprego numa empresa maior, com mais visibilidade e uma rede enorme no mundo. Ali estava eu, fazendo o melhor que posso e isso foi reconhecido. Sinto que ali, já estava começando a honrar meus pais e família, que acreditaram nessa loucura toda.
Depois disso, a ascenção foi inevitável. Fui promovido em menos de 6 meses de empresa. Depois, fui pra Paris, com um emprego garantido pela rede de hotéis na qual trabalhava na Irlanda e com uma vaga na melhor escola de gastronomia do mundo. Em Paris, no novo emprego, fui promovido outra vez, para um dos postos chave da cozinha, chef de partie de carnes/peixes. E na escola, rankeado top 5 nos três níveis do curso, e me graduei no topo. E isso me deu a oportunidade de fazer um estágio num castelo, casa para um restaurante de alto nível e um chef de cozinha que tem o título máximo da gastronomia francesa, o MOF (Meilleur Ouvrier de France).
Quando paro para pensar que nunca tive essa ascenção e reconhecimento no jornalismo, me dá um pouco de tristeza, pois é algo que gosto. E que gostaria de ter reconhecimento. Mas, infelizmente, na imprensa não é assim que as coisas funcionam. As únicas vezes que tive reconhecimento de algo foram quando meu antigo editor, Paulo Ubiratan (descanse em paz, mestre), da rádio CBN Londrina, me "promoveu" a repórter de política e economia e, quando já trabalhava na TV, o marqueteiro Duda Mendonça disse aos diretores da Globo que eu era muito talentoso e que eles deveriam investir em mim. E obviamente vocês podem ver que não foi o que aconteceu.
Enfim, essa é outra história.
O importante é que, como chef, eu hoje consigo enxergar o céu, ainda de dentro dessa caverna. E o céu que eu enxergo é de estrelas Michelin, o famoso guia que deixa cozinheiros loucos. O livreto vermelho já foi motivo de suicídio de chefs, de noites mal dormidas, de alegrias e frustrações. As estrelas desse guia significam excelência, e é esse céu que quero como limite.
As estrelas não existem no jornalismo. Os talentosos acabaram caindo na mediocridade da mídia para ganhar mais dinheiro, pois jornalismo sério não rima com salário maior. Para nós, jornalistas, o céu acaba na bunda de um editor. E se você é editor, seu céu acaba na sola do sapato do dono da empresa. Se você é o dono da empresa, provavelmente seu céu não ultrapassa a soberba de um político. E se você é político, já não é mais jornalista.
Na cozinha, o céu é o limite.
Um céu de estrelas Michelin.