terça-feira, 11 de setembro de 2012

Um céu de estrelas Michelin

Art by Paola Sanchez
 
Imagine um dia você chegando para a sua família e dizendo: "Pai, mãe...eu vou largar tudo para virar chef de cozinha". Nas entrelinhas, eu disse que todo o estudo que vocês me ajudaram a obter na universidade, todo o tempo separado fisicamente de vocês, todo o dinheiro investido na carreira que eu imaginei ser minha função social sendo gradativamente jogado pelo ralo, na mesma velocidade em que meus progenitores engolem à seco aquele nó na garganta ao receber as notícias.

Fiz isso, há mais ou menos 5 anos e meio. Nessa época eu era repórter de rede nacional em um canal de tv fechado, e trabalhava para a maldita rede Globo, sonho de 11 entre 10 jornalistas no Brasil.

"Como assim, filho?", perguntaram-se. "Você, que tanto batalhou pra chegar na posição que chegou, vai deixar de lado essa fundação que construiu para aventurar-se em um negócio do qual não conhece nada?".

"Sim.", respondi. E não por ser volátil ou não ter certeza de que rumo quero para a minha vida. Muito pelo contrário. Foi uma decisão que tomei depois de já estar cansado de viver dentro de uma caverna, da qual provavelmente não conseguiria sair antes de morto. 

E a caverna, leitores, não é uma critica ao meu trabalho, ou profissão ou a vida que levava na época. A escuridão estava na minha cabeça, o tempo todo. Me inquietou o fato de que eu só andava com jornalistas, só falava de jornalismo, só buscava saber mais que os outros, só buscava o furo, a informação correta (às vezes, buscando a informação que meu editor dizia que era a correta, se vocês entendem o que quero dizer com isso...).

A verdade é que dia 25/06/2007 foi um marco na minha vida. 

Meu aniversário de 25 anos foi emblemático. Naquele dia, acordei com a sensação que muitas de minhas dúvidas estavam esclarecidas, meus pontos de vista tinham fundamento e, como magia, uma luz apareceu no fim da caverna. Simples assim. Acordei. Me olhei no espelho e vi uma pessoa diferente. Que pensava diferente. Que entendia o mundo de uma maneira diferente. E que, no fundo, sabia que a vida que levava até outrora dentro da escuridão da caverna não era seu caminho na vida.

Como disse minha madrinha, parafraseando alguém famoso: "Vai, Rodrigo, ser gauche na vida.". A partir desse dia, foi isso que fiz. Rodrigo, um homem destro que decidiu experimentar ser gaucher (canhoto, em francês). Que aceitou que o jornalismo é legal, mas não é o que vai lhe tirar da escuridão. Que aceitou que as coisas são como são, mas que há coisas as quais podemos mudar se quisermos.

Os dois meses que seguiram foram uma sequência frenética de acontecimentos. Pedi demissão, comprei uma passagem de ida, me despedi da minha família e tchau Brasil! Um amigo, Ronald Marczak, me disse que se eu quisesse ter alguma chance na carreira de chef, eu deveria ir pra Europa. E depois de muita pressão do meu irmão, maior responsável pela minha mudança pra Europa e a pessoa que de verdade me guiou para a luz no fim da caverna, Rodrigo desembarca na Irlanda.

Uma coisa que sempre tive muito claro, mesmo antes de minha iluminação aos 25 anos, era que se eu fosse fazer algo na vida, eu deveria faze-la muito bem para honrar a mim mesmo e às pessoas que me apoiam no meu caminho. Eu nunca estou sozinho, então eu tenho um dever para com as pessoas que acreditam nas minhas empreitadas.

Quando me formei jornalista, meu dever profissional e pessoal era com meu maior ídolo de todos: meu avô Luiz Homero, que nunca me encorajou a ser jornalista, mas sempre me disse que eu deveria me esforçar pra sobressair, assim como ele fez em sua vida. Outro ídolo é meu pai, que sempre me disse que eu tenho que ser o melhor que consigo, mesmo que isso não signifique que eu seja o melhor do mundo.

E foi isso que carreguei para minha nova profissão. Já que eu larguei uma profissão na qual estava começando a ascender para começar uma outra sem absolutamente nenhum treinamento, eu iria fazer o melhor que posso para sobressair. A caverna já não era tão escura assim, pois eu estava me aproximando da cada vez mais da saída. A experiência de vida, os lugares que conheci, as coisas que aprendi, as pessoas que passaram por minha vida representam meus passos para fora da maldita escuridão.

E nesse caminho para uma nova ascenção eu me queimei, cortei, fui abusado verbalmente, suei muito, corri muito, fiz muita força. Mas aprendi muito com meus mentores, que imagino que não sabiam na época que eram mentores. Pois eu os tratava assim. 

E atingi um nível mínimo de habilidades que já me ajudaram a galgar um emprego numa empresa maior, com mais visibilidade e uma rede enorme no mundo. Ali estava eu, fazendo o melhor que posso e isso foi reconhecido. Sinto que ali, já estava começando a honrar meus pais e família, que acreditaram nessa loucura toda.

Depois disso, a ascenção foi inevitável. Fui promovido em menos de 6 meses de empresa. Depois, fui pra Paris, com um emprego garantido pela rede de hotéis na qual trabalhava na Irlanda e com uma vaga na melhor escola de gastronomia do mundo. Em Paris, no novo emprego, fui promovido outra vez, para um dos postos chave da cozinha, chef de partie de carnes/peixes. E na escola, rankeado top 5 nos três níveis do curso, e me graduei no topo. E isso me deu a oportunidade de fazer um estágio num castelo, casa para um restaurante de alto nível e um chef de cozinha que tem o título máximo da gastronomia francesa, o MOF (Meilleur Ouvrier de France).

Quando paro para pensar que nunca tive essa ascenção e reconhecimento no jornalismo, me dá um pouco de tristeza, pois é algo que gosto. E que gostaria de ter reconhecimento. Mas, infelizmente, na imprensa não é assim que as coisas funcionam. As únicas vezes que tive reconhecimento de algo foram quando meu antigo editor, Paulo Ubiratan (descanse em paz, mestre), da rádio CBN Londrina, me "promoveu" a repórter de política e economia e, quando já trabalhava na TV, o marqueteiro Duda Mendonça disse aos diretores da Globo que eu era muito talentoso e que eles deveriam investir em mim. E obviamente vocês podem ver que não foi o que aconteceu.

Enfim, essa é outra história.

O importante é que, como chef, eu hoje consigo enxergar o céu, ainda de dentro dessa caverna. E o céu que eu enxergo é de estrelas Michelin, o famoso guia que deixa cozinheiros loucos. O livreto vermelho já foi motivo de suicídio de chefs, de noites mal dormidas, de alegrias e frustrações. As estrelas desse guia significam excelência, e é esse céu que quero como limite. 

As estrelas não existem no jornalismo. Os talentosos acabaram caindo na mediocridade da mídia para ganhar mais dinheiro, pois jornalismo sério não rima com salário maior. Para nós, jornalistas, o céu acaba na bunda de um editor. E se você é editor, seu céu acaba na sola do sapato do dono da empresa. Se você é o dono da empresa, provavelmente seu céu não ultrapassa a soberba de um político. E se você é político, já não é mais jornalista.

Na cozinha, o céu é o limite.

Um céu de estrelas Michelin.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Um mito chamado Europa

Eu imagino que alguns de vocês que chegaram até este aqui já devem estar selecionando em suas cabeças argumentos para rebater as linhas do meu texto que ainda nem estão escritas, afinal o título é sugestivo e, normalmente, vai contra o que a maioria das pessoas entende sobre a Europa.

Antes, um breve pano de fundo. Eu perambulo por este continente há exatos 5 anos e alguns dias, já vivi em dois países e visitei uma dezena de outros. Falo línguas suficientes para comunicar-me bem com a população local de onde estive e tenho uma mente suficientemente aberta em relação às culturas que aqui encontramos. Afinal nós, brasileiros, decendemos de vários outros povos com as mais diversas culturas e incorporamos esse "respeito" ao nosso modo de ser.

"Respeito", entre aspas, pois nem todos os brasileiros são respeitosos. E isso, infelizmente, se vê muito aqui no velho continente. Tenho que admitir que vejo muitos compatriotas meus que são exemplos do que não queremos que os estrangeiros vejam sobre nosso povo e nossa cultura. Geralmente ouvimos dos europeus que eles adoram o Brasil e isso e aquilo. "Riow de Jineiro, Cárnaval, World Cup, Favêlas" são quase sempre as palavras que ouço depois de dizer de onde venho, e sempre trago à tona que não sou do Rio, mas sim Paulistano, nascido na Av. Paulista. Mas, em suma, quando ouvimos gringos dizerem coisas ruins sobre os brasileiros, podem ter certeza que a culpa é desses que não se comportam direito por aqui. Ou que acham que por não estarem em "casa" podem tocar o puteiro pois ninguém os conhece aqui. Maldita mentalidade! Eu devo ser um dos poucos brasileiros fora do meu país que não compactua com essa visão de mundo.

Mas quero falar sobre a mentalidade do povo do velho continente, pois a nossa mentalidade, o jeitinho e tudo o que sabemos sobre nossa maneira de lidar com situações já conhecemos de cor. E é aqui que muitas pedras começam a sair dos bolsos dos leitores. 

Para você que acha que apenas pelo fato de terem nascido deste lado do oceano os europeus já estão com meio caminho andado para serem cultos, civilizados e super inteligentes: calma!

Quando você pensa em quem é o europeu, qual imagem vem à sua cabeça? Antes de vir para cá, eu pensava que o europeu padrão era um tiozão com cara de alemão, sorridente e bonachão, que quer ser feliz e ajuda a todos. Ou então um francês magrelo com nariz fino, cachecol e terno, sentado num café lendo Rousseau. 

Eu não estava tão errado assim. Afinal existem muitos tios bonachões e almofadinhas pretensiosos por aqui. E creio que haja uma camada da população que seja assim mesmo e gente que se encaixe nos esterótipos supracitados. Mas onde eu vivi e visitei, e vamos chamar essa região de europa do oeste e colocar nesse universo os países da Escandinávia, Alemanha e Áustria para a esquerda, até Portugal, eu me dei conta de uma realidade um pouco diferente disso.

Sem dúvida, os europeus têm um senso de justiça mais apurado que o nosso, mesmo que isso não seja muito difícil (vide Lei de Gérson, maldita lei no imaginário brasileiro que permite que muita gente seja filhadaputa e abuse de pessoas em proveito próprio). Se um produto aqui é ruim, as pessoas não o compram, a fábrica sente a perda de mercado e reage com a)queda de preço; b)mudança do produto; c)simplesmente pára de fabricá-lo. Simples assim.

Um exemplo prático é um pelo qual passei hoje. Fui à Zara (sim, aquela que emprega crianças, como foi noticiado no Brasil) para tentar trocar um produto que comprei, mas adquiri o número errado. Antes disso, tentei ver na internet se a rede ainda tinha o produto disponível, sem sucesso. Então fui à loja tentar a sorte. O problema é que eu vivo em uma cidade muito pequena aqui (Reims, capital francesa do Champagne) e a loja não tinha o produto.

Como brasileiro e acostumado com nossa realidade, a primeira coisa que me vem à cabeça é: "Caralho, fodeu! Perdi xx euros". Verdade seja dita, trocar ou pedir reembolso de algo no Brasil é desgastante, é uma guerra que quase nunca ganhamos. Assim como dizer para o garçom que você não vai pagar os 10% de serviço pois o atendimento foi uma merda. Trazem até o presidente da república à sua mesa para te fazer um discurso que só te emputece, te faz passar vergonha e faz você perder seu tempo.

Mas estamos num continente onde as empresas e pessoas entendem o comprador a ponto de não precisarem de um maldito código do consumidor para resolverem pequenos problemas, como reembolso ou trocas de produtos. Ou seja: fui ao caixa, falei para a mulher que eu queria devolver o produto. Ela olhou, viu que estava ok, pediu a nota, pediu o cartão que usei pra compra-lo e em literalmente 3 minutos eu estava saindo da loja com meu recibo do reembolso e satisfeito. Simples assim.

Antes de tudo, as empresas são formadas por pessoas, e pessoas são consumidores. E como consumidores, ninguém gosta de ser enganado e comprar gato por lebre. Ou seja, essa simples forma de pensar faz as coisas aqui funcionarem assim. Nunca tive problema em devolver um produto ou troca-lo. E nem pagar uma conta sem os 10% de serviço se eu achei que o atendimento não foi bom. Aqui existe um senso de justiça em relação à essas coisas.

Lindo, né? Mas essas mesmas pessoas, que são super justas e tudo aquilo que pensamos sobre o europeu, também me surpreendem por algo que choca [pedras na mão agora!]. O europeu mediano é um tanto quanto ignorante [defendendo minha cabeça das potenciais pedradas].

Eu já morei na Irlanda e, atualmente, moro na França. Já visitei países como Portugal, Espanha, Itália, Grécia, Inglaterra e por aí vai... sabe em quantos desses países o cidadão mediano fala uma segunda língua (ou terceira, caso o país tenha duas línguas oficiais)? Vá para Paris e tente pedir informação em inglês. É o melhor exemplo que posso dar sobre isso. Mas isso não traduz necessariamente ignorância. 

Ignorância é o fato de pessoas não aceitarem que existe um mundo lá fora a ser explorado e, que para fazer isso é necessário comunicar-se com as pessoas em uma língua que elas entendam.

Um exemplo: eu trabalhava para um chef irlandês baixinho e folgado que, um dia, viajou para a Hungria. Quando ele voltou, meu melhor amigo da época, um húngaro, perguntou o que ele achou de seu país, com luz nos olhos. A resposta foi direta: "achei uma merda, pois não se acha um bar irlandês por lá para se tomar uma cerveja e comer alguma coisa".

Quer mais um? Vá para a Grécia em agosto e surpreenda-se com a quantidade de restaurantes locais anunciando seus menus em inglês, com ítems como Fish and Chips e English Breakfast. Os ingleses saem de férias no verão com o intuito de estarem em suas casas, com sua comida, costumes e coisas para fazer, mas debaixo de sol e calor.

Ainda mais um??? Ok. Aconteceu esses dias. Um dos chefs do castelo onde trabalho estava jantando quando um grupo de lavadores de pratos (plongeurs) de origem árabe começa a conversar em sua língua materna. Ele, o chef R., não pensou duas vezes antes de virar para trás e gritar, em tom ameaçador: "Hei, nós estamos na França!". Os plongeurs levaram na brincadeira e seguiram com sua conversa. R., não contente, levantou e foi dar um sermão nos árabes de que estão em seu país e não têm o direito de falar outra língua que não o francês. Os plongeurs já ficaram de orelhas em pé, pois não acreditavam no que estavam ouvindo, mas seguiram conversando. O terceiro ataque de R. foi gritando, e a resposta foi óbvia: os árabes levantaram e o encararam. E como bom francês, ele colocou o rabo entre as pernas e voltou balbuciando xingamentos.

Não existe ignorância maior que a intolerância. Em todos os países existem grupos minoritários étnicos que se juntam para falar sua língua e preservar seus costumes. Às vezes, são muito fechados. Mas creio que ninguém tem o direito de tratá-los como R. tratou os árabes. E, acredite, não é a primeira vez que vejo isso. Já ouvi de franceses que os árabes são o lixo que estraga a França, que os africanos de Mali ou Senegal são apenas um bando de pretos que não valem nada e vão mamar nas tetas do governo francês. Já cansei de ouvir irlandeses dizendo que os poloneses são os mexicanos da europa. Os portugueses, ao menos em Lisboa, não gostam nem um pouco de brasileiros.

Em relação à isso, nós no Brasil somos muito mais esforçados. Muita gente fala um inglês mais ou menos, suficiente para se virar no exterior. Alguns até falam um espanhol decente. E mesmo outras tantas línguas. Nos tachamos de preconceituosos, mas recebemos de braços abertos as pessoas de outros países e culturas, pois queremos aprender com eles. E dividir o que temos de bom também. Há excessões para tudo, claro, mas dificilmente você vai ouvir numa rua uma pessoa abertamente discriminar outra, primeiro que isso dá cadeia e, segundo, que não é como realmente sentimos. No Brasil é impossível ser preconceituoso pelo falo de que todos nós temos um pouco de tudo no sangue.

Comecei com uma crítica, mas este texto acabou sendo um elogio aos brasileiros, de certa forma, mesmo que alguns nao mereçam nada disso. A Europa é uma maravilha para se visitar, mas viver aqui e conviver com as pessoas faz você mudar sua opinião sobre quem são os europeus. Há muita gente boa e aberta, inteligente, Tenho ótimos amigos aqui de várias nacionalidades os quais vou carregar para toda a vida. Mas existe o outro lado, que é o lado mais feio da realidade deles, e que certamente é a parte do mito mais difícil de se desconstruir. E, desconstruído o mito, as pedras que estavam prontas para serem jogadas caem naturalmente das mãos daqueles que sempre colocam os estrangeiros como superiores aos brasileiros. Ninguém é melhor, somos simplesmente diferentes.

Eu adoro estar aqui, mas não vejo a hora de ir embora. E depois voltar para cá. E depois ir embora de novo!