segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Um mito chamado Europa

Eu imagino que alguns de vocês que chegaram até este aqui já devem estar selecionando em suas cabeças argumentos para rebater as linhas do meu texto que ainda nem estão escritas, afinal o título é sugestivo e, normalmente, vai contra o que a maioria das pessoas entende sobre a Europa.

Antes, um breve pano de fundo. Eu perambulo por este continente há exatos 5 anos e alguns dias, já vivi em dois países e visitei uma dezena de outros. Falo línguas suficientes para comunicar-me bem com a população local de onde estive e tenho uma mente suficientemente aberta em relação às culturas que aqui encontramos. Afinal nós, brasileiros, decendemos de vários outros povos com as mais diversas culturas e incorporamos esse "respeito" ao nosso modo de ser.

"Respeito", entre aspas, pois nem todos os brasileiros são respeitosos. E isso, infelizmente, se vê muito aqui no velho continente. Tenho que admitir que vejo muitos compatriotas meus que são exemplos do que não queremos que os estrangeiros vejam sobre nosso povo e nossa cultura. Geralmente ouvimos dos europeus que eles adoram o Brasil e isso e aquilo. "Riow de Jineiro, Cárnaval, World Cup, Favêlas" são quase sempre as palavras que ouço depois de dizer de onde venho, e sempre trago à tona que não sou do Rio, mas sim Paulistano, nascido na Av. Paulista. Mas, em suma, quando ouvimos gringos dizerem coisas ruins sobre os brasileiros, podem ter certeza que a culpa é desses que não se comportam direito por aqui. Ou que acham que por não estarem em "casa" podem tocar o puteiro pois ninguém os conhece aqui. Maldita mentalidade! Eu devo ser um dos poucos brasileiros fora do meu país que não compactua com essa visão de mundo.

Mas quero falar sobre a mentalidade do povo do velho continente, pois a nossa mentalidade, o jeitinho e tudo o que sabemos sobre nossa maneira de lidar com situações já conhecemos de cor. E é aqui que muitas pedras começam a sair dos bolsos dos leitores. 

Para você que acha que apenas pelo fato de terem nascido deste lado do oceano os europeus já estão com meio caminho andado para serem cultos, civilizados e super inteligentes: calma!

Quando você pensa em quem é o europeu, qual imagem vem à sua cabeça? Antes de vir para cá, eu pensava que o europeu padrão era um tiozão com cara de alemão, sorridente e bonachão, que quer ser feliz e ajuda a todos. Ou então um francês magrelo com nariz fino, cachecol e terno, sentado num café lendo Rousseau. 

Eu não estava tão errado assim. Afinal existem muitos tios bonachões e almofadinhas pretensiosos por aqui. E creio que haja uma camada da população que seja assim mesmo e gente que se encaixe nos esterótipos supracitados. Mas onde eu vivi e visitei, e vamos chamar essa região de europa do oeste e colocar nesse universo os países da Escandinávia, Alemanha e Áustria para a esquerda, até Portugal, eu me dei conta de uma realidade um pouco diferente disso.

Sem dúvida, os europeus têm um senso de justiça mais apurado que o nosso, mesmo que isso não seja muito difícil (vide Lei de Gérson, maldita lei no imaginário brasileiro que permite que muita gente seja filhadaputa e abuse de pessoas em proveito próprio). Se um produto aqui é ruim, as pessoas não o compram, a fábrica sente a perda de mercado e reage com a)queda de preço; b)mudança do produto; c)simplesmente pára de fabricá-lo. Simples assim.

Um exemplo prático é um pelo qual passei hoje. Fui à Zara (sim, aquela que emprega crianças, como foi noticiado no Brasil) para tentar trocar um produto que comprei, mas adquiri o número errado. Antes disso, tentei ver na internet se a rede ainda tinha o produto disponível, sem sucesso. Então fui à loja tentar a sorte. O problema é que eu vivo em uma cidade muito pequena aqui (Reims, capital francesa do Champagne) e a loja não tinha o produto.

Como brasileiro e acostumado com nossa realidade, a primeira coisa que me vem à cabeça é: "Caralho, fodeu! Perdi xx euros". Verdade seja dita, trocar ou pedir reembolso de algo no Brasil é desgastante, é uma guerra que quase nunca ganhamos. Assim como dizer para o garçom que você não vai pagar os 10% de serviço pois o atendimento foi uma merda. Trazem até o presidente da república à sua mesa para te fazer um discurso que só te emputece, te faz passar vergonha e faz você perder seu tempo.

Mas estamos num continente onde as empresas e pessoas entendem o comprador a ponto de não precisarem de um maldito código do consumidor para resolverem pequenos problemas, como reembolso ou trocas de produtos. Ou seja: fui ao caixa, falei para a mulher que eu queria devolver o produto. Ela olhou, viu que estava ok, pediu a nota, pediu o cartão que usei pra compra-lo e em literalmente 3 minutos eu estava saindo da loja com meu recibo do reembolso e satisfeito. Simples assim.

Antes de tudo, as empresas são formadas por pessoas, e pessoas são consumidores. E como consumidores, ninguém gosta de ser enganado e comprar gato por lebre. Ou seja, essa simples forma de pensar faz as coisas aqui funcionarem assim. Nunca tive problema em devolver um produto ou troca-lo. E nem pagar uma conta sem os 10% de serviço se eu achei que o atendimento não foi bom. Aqui existe um senso de justiça em relação à essas coisas.

Lindo, né? Mas essas mesmas pessoas, que são super justas e tudo aquilo que pensamos sobre o europeu, também me surpreendem por algo que choca [pedras na mão agora!]. O europeu mediano é um tanto quanto ignorante [defendendo minha cabeça das potenciais pedradas].

Eu já morei na Irlanda e, atualmente, moro na França. Já visitei países como Portugal, Espanha, Itália, Grécia, Inglaterra e por aí vai... sabe em quantos desses países o cidadão mediano fala uma segunda língua (ou terceira, caso o país tenha duas línguas oficiais)? Vá para Paris e tente pedir informação em inglês. É o melhor exemplo que posso dar sobre isso. Mas isso não traduz necessariamente ignorância. 

Ignorância é o fato de pessoas não aceitarem que existe um mundo lá fora a ser explorado e, que para fazer isso é necessário comunicar-se com as pessoas em uma língua que elas entendam.

Um exemplo: eu trabalhava para um chef irlandês baixinho e folgado que, um dia, viajou para a Hungria. Quando ele voltou, meu melhor amigo da época, um húngaro, perguntou o que ele achou de seu país, com luz nos olhos. A resposta foi direta: "achei uma merda, pois não se acha um bar irlandês por lá para se tomar uma cerveja e comer alguma coisa".

Quer mais um? Vá para a Grécia em agosto e surpreenda-se com a quantidade de restaurantes locais anunciando seus menus em inglês, com ítems como Fish and Chips e English Breakfast. Os ingleses saem de férias no verão com o intuito de estarem em suas casas, com sua comida, costumes e coisas para fazer, mas debaixo de sol e calor.

Ainda mais um??? Ok. Aconteceu esses dias. Um dos chefs do castelo onde trabalho estava jantando quando um grupo de lavadores de pratos (plongeurs) de origem árabe começa a conversar em sua língua materna. Ele, o chef R., não pensou duas vezes antes de virar para trás e gritar, em tom ameaçador: "Hei, nós estamos na França!". Os plongeurs levaram na brincadeira e seguiram com sua conversa. R., não contente, levantou e foi dar um sermão nos árabes de que estão em seu país e não têm o direito de falar outra língua que não o francês. Os plongeurs já ficaram de orelhas em pé, pois não acreditavam no que estavam ouvindo, mas seguiram conversando. O terceiro ataque de R. foi gritando, e a resposta foi óbvia: os árabes levantaram e o encararam. E como bom francês, ele colocou o rabo entre as pernas e voltou balbuciando xingamentos.

Não existe ignorância maior que a intolerância. Em todos os países existem grupos minoritários étnicos que se juntam para falar sua língua e preservar seus costumes. Às vezes, são muito fechados. Mas creio que ninguém tem o direito de tratá-los como R. tratou os árabes. E, acredite, não é a primeira vez que vejo isso. Já ouvi de franceses que os árabes são o lixo que estraga a França, que os africanos de Mali ou Senegal são apenas um bando de pretos que não valem nada e vão mamar nas tetas do governo francês. Já cansei de ouvir irlandeses dizendo que os poloneses são os mexicanos da europa. Os portugueses, ao menos em Lisboa, não gostam nem um pouco de brasileiros.

Em relação à isso, nós no Brasil somos muito mais esforçados. Muita gente fala um inglês mais ou menos, suficiente para se virar no exterior. Alguns até falam um espanhol decente. E mesmo outras tantas línguas. Nos tachamos de preconceituosos, mas recebemos de braços abertos as pessoas de outros países e culturas, pois queremos aprender com eles. E dividir o que temos de bom também. Há excessões para tudo, claro, mas dificilmente você vai ouvir numa rua uma pessoa abertamente discriminar outra, primeiro que isso dá cadeia e, segundo, que não é como realmente sentimos. No Brasil é impossível ser preconceituoso pelo falo de que todos nós temos um pouco de tudo no sangue.

Comecei com uma crítica, mas este texto acabou sendo um elogio aos brasileiros, de certa forma, mesmo que alguns nao mereçam nada disso. A Europa é uma maravilha para se visitar, mas viver aqui e conviver com as pessoas faz você mudar sua opinião sobre quem são os europeus. Há muita gente boa e aberta, inteligente, Tenho ótimos amigos aqui de várias nacionalidades os quais vou carregar para toda a vida. Mas existe o outro lado, que é o lado mais feio da realidade deles, e que certamente é a parte do mito mais difícil de se desconstruir. E, desconstruído o mito, as pedras que estavam prontas para serem jogadas caem naturalmente das mãos daqueles que sempre colocam os estrangeiros como superiores aos brasileiros. Ninguém é melhor, somos simplesmente diferentes.

Eu adoro estar aqui, mas não vejo a hora de ir embora. E depois voltar para cá. E depois ir embora de novo!

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