domingo, 18 de setembro de 2011

Crème + beurre

Castela, muitos séculos atrás. 

Os navegadores espanhóis viajam o novo mundo, colonizando povos, introduzindo uma nova religião e saqueando seus bens naturais, levando as riquezas dos povos pós-colombianos de volta à coroa. Em resumo, foi mais ou menos o que os portugueses fizeram com o Brasil, mas em uma proporção estupidamente maior, já que 90% da América Latina fala espanhol ou qualquer outro idioma que deriva deste, resultado da derrocada castelhana no novo continente. Essa história é conhecida por qualquer pessoa que frequentou a escola depois de 1822. 

Agora, uma história que poucos sabem é o fruto da pesquisa de um jovem visionário holandês, Mr. Van Sarijvaa. Por meio de estudos de documentos e sítios arqueológicos, o estudioso neerlandês descobriu que na sociedade castelhana quem não era nobre e alfabetizado era, em grande parte das vezes, subjugado a viver na condição de servo da coroa espanhola. E, ainda baseado em pesquisas, pode-se dizer que os membros da realeza tinham hábitos tanto quanto hedonísticos, pois eram amantes das artes, das mulheres (e mulheres, dos homens, ou mesmo outras mulheres....enfim...) e, claro, da boa mesa. Agora, pare um pouco para contemplar esse cenário: você é o rei da Espanha. Todos seus navegadores estão fora buscando riquezas para o reinado; Napoleão ainda não veio encher o saco na sua fronteira; seus servos não estão aprontando uma revolução; sua guarda armada não pretende lhe degolar e dar um golpe para tirar suas nádegas do trono. Resumindo: tá tudo de boa, campeão! O que fazer para preencher seus dias de rei, que andam tão chatos? 

Simples: traga mulheres, teatro, bobos da corte e muita, mas muita comida!!!! E foi nisso que a pesquisa de Van Sarijvaa se concentrou: como se alimentava a realeza nessa época. A ordem do rei era clara: ele queria provar todos (ou a maioria) dos sabores da Espanha e ordenava que seus servos extraíssem o que suas regiões ofereciam de melhor e apresentassem à coroa pratos que representassem suas origens. Assim foram concebidos pratos típicos como a paella valenciana , crema catalana e a tortilla espanhola, por exemplo.

Como eram obrigados a fazer esse tipo de apresentação à coroa, os servos, assim denominados, não estavam muito contentes com essa situação. Então, decidiram que cozinhariam os pratos menos quistos em suas regiões para a corte real e guardariam a real cozinha espanhola em segredo, que seria passado de geração para geração, mas jamais revelada à nobreza. Pois bem... o único problema é que esse legado nunca foi escrito em papel, afinal as classes inferiores à nobreza eram analfabetas. Então, a fantástica cozinha espanhola foi transmitida verbalmente apenas.

Mas vocês sabem como essas coisas nunca dão certo, né? Claro que no país Basco, algumas décadas depois, a história saiu do controle e foi cair na França, até então produtora exímia de vinhos e produtos derivados do leite. Rapidamente a notícia correu até os ouvidos de um rapaz esperto, letrado e amante da gastronomia. Seu nome? Auguste Escoffier. Com permissão do exército da era pós-napoleônica, Escoffier levou tropas até a Espanha e literalmente sequestrou centenas de camponeses de diversas regiões em busca de suas receitas e um lugar de destaque na história da França.

Os espanhóis foram forçados a passar todo seu conhecimento gastronômico a Escoffier, que anotou e organizou todo esse trabalho. Após conseguir o que queria, todos os camponeses foram executados a mando do ganancioso Auguste, que logo começou a testar receitas e métodos da rica culinária espanhola. E tão logo percebeu também um problema: se Escoffier começasse a chamar aquela gastronomia de francesa, logo os espanhóis ouviriam a respeito, informariam ao rei e o estado de guerra seria iminente, algo que a França não queria logo após o revés de Napoleão na Rússia.

A solução veio dos campos. Sem ter mais o que fazer com tanto leite produzido no país, já que já estavam catalogados centenas de tipos diferentes de queijos franceses, Escoffier resolveu apostar no uso de seus derivados e colocou, em todas as receitas que tinha arrancado dos espanhóis, creme e manteiga. E assim nasceu a aplaudida gastronomia francesa: do casamento dos sabores e técnicas espanhóis com os laticínios franceses. É o caso do Sole Meunière, por exemplo. Na Espanha, o Lenguado con limón era um dos pratos favoritos da primavera na região do Mediterrâneo. Hoje, é conhecido como uma das bases da culinária francesa. 

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Agora, diga uma coisa: não fossem as brechas nas informações históricas, a pobre adaptação do meu nome para um nome holandês e uma pesquisa que eu duvido que tenha fundamento, essa seria uma boa explicação para o fato da gastronomia francesa usar tanta manteiga e creme de leite em sua base, não é???

E por favor, mil perdões aos franceses e a Auguste Escoffier, afinal a história acima NÃO é verídica! Eles são, sim, gênios da gastronomia tradicional e contemporânea!

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